quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Suicidio: coragem ou covardia?

Hoje estou triste. Recebi uma má noticia pela manhã. O pai de uma amiga minha suicidou-se. Não o conhecia. Na verdade, nem a ela eu conheço bem. Somos colegas de trabalho, mas de diferentes sectores. Bem, na verdade, agora que mudei de local de trabalho, nem isso. Mas não deixamos de ser colegas. E é minha amiga, ainda que não ofereça esta categoria com muita facilidade às minhas relações, nem tenhamos um contacto assim tão íntimo.
Mas o meu coração sofreu um duro golpe com esta noticia. Principalmente porque a minha cara metade conhecia o senhor em questão e disse-me que era uma pessoa sempre muito bem disposta, com um sorriso fácil e uma postura cativante.
E agora suicidou-se. Matou-se. Terminou os seus dias de uma forma não natural, sem pensar nos que lhe são mais próximos. Nos que, sendo ainda pequenos (neste caso estou a pensar nos netos) não privaram o tempo sufuciente com ele para o recordarem mais tarde. A esta pessoa bem disposta, de sorriso fácil e postura cativante.
E foi um duro golpe porque nesta altura as pessoas que lhe estavam mais próximas, entre elas esta filha de quem sou amiga, precisavam mais deledo que nunca. Porque não me quero alongar, nem expor a vida íntima desta minha amiga, digo-vos apenas que há um problema de saúde que necessita de tratamentos agressivos.
Quando a minha cara metade me deu a noticia, não me contive e disse que o dito senhor era um covarde.
A opinião da minha cara metade é de que ele não aguentou a pressão.
Desculpem?!!!
Ele não aguentou a pressão? E a filha, que tem de se colocar à disposição dos médicos, dos tratamentos agressivos que não pode evitar e que lhe deformam o corpo - mas não lhe vergam a alma -, se quer tentar obter alguma vantagem sobre a doença que a atinge de modo a usufruir da companhia dos filhos mais una anos.
Quantas vezes não terá ela calado essa mesma vontade de pôr fim a estes dias onde a dor poderia estar quase a vencê-la? Onde as tentativas de melhoria se tornam quase infrutíferas e os tratamentos têm de ser repetidos em doses cada vez mais fortes, de uma maneira quase obscena?
Quantas vezes não terá ela calado essa mesma vontade por se lembrar dos filhos, da mãe, do pai, esta pessoa sempre bem disposta, de sorriso fácil e postura cativante?
Quantas vezes não terá ela calado essa mesma vontade por ir também buscar forças a todas estas pessoas que a  rodeiam, que a incentivam a continuar a tentar, a lutar, a não deixar que a doença lhe leve a melhor.
Para mim é uma covardia, a atitude que ele tomou. Porque para ele tudo já terminou, já não há dor, nem sofrimento, nem ansiedade, nem esperança.
Mas para a filha é mais um peso que lhe recai sobre os ombros. Mais uma coisa para pensar, mais uma razão para ter de estar ainda mais atenta ao resto da familia, mais desconcentrada na sua própria recuperação para não falhar a quem deveria estar a apoiá-la.

Este foi o meu desabafo. Palavras que escrevi quando ainda tinha o sangue em ebulição, quando ainda só tinha ouvido uma versão da situação. A verdade é que à tardinha eu e a cara metade fomos ao velório. Quando saí de casa, tinha consciência de que não ia por ele, mas por ela. Para lhe poder dar um abraço e dizer algumas palavras de ânimo. Mas a verdade é que parece que estou mais calma. Ainda estou magoada com a atitude dele, acho que foi uma covardia, mas agora parece que sinto mais respeito pelo que o levou a isso.
Fiquei a saber que esta minha amiga tem mais uma irmã que está a passar por uma fase semelhante, quiçá ainda mais problemática. E o senhor não aguentou. Somos criados a aceitar que na ordem natural da vida, os pais morrem primeiro que os filhos, que estes são intocáveis e que os pais têm todo o poder para lhes facilitar a vida. Este senhor viu as filhas numa situação em que era impontente para as ajudar. Por isso não aguentou. Matou-se. Deixou, todavia, um bilhete a dizer que velaria por elas lá do Céu. E que estaria à sua espera quando fosse o tempo de elas o seguirem.
Ainda não concordo com a sua atitude, não a compreendo, mas aceito-a. Aceito-a porque a minha amiga é forte e aceitou-a. Aceito-a porque foi uma decisão dele, que levou até ao fim. Aceito-a simplesmente porque sim.

1 comentário:

  1. Acho que é uma mistura dos dois... não consigo julgar alguém. Se um dia sofrermos mesmo mesmo muito, quem sabe do que seríamos capazes?

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